Inovação Social no Brasil: Entre a Transformação Estrutural e os Desafios do Contexto Periférico

A inovação social no Brasil configura-se como um fenômeno político e prático, moldado por desigualdades históricas e por respostas criativas da sociedade civil a falhas estruturais do Estado e do mercado. Este artigo analisa suas dimensões centrais, articulando debates teóricos e evidências empíricas do contexto brasileiro, com ênfase em suas potencialidades transformadoras e contradições.

INOVAÇÃO SOCIALIAINTELIGENCIA ARTIFICIAL

Gabriela Kühl

5/5/20253 min read

Inovação social no Brasil
Inovação social no Brasil

1. Contexto Estrutural e Emergência da Inovação Social

A América Latina, região mais desigual do planeta (CEPAL, 2022), oferece um terreno fértil para iniciativas que buscam mitigar exclusões. No Brasil, a inovação social surge como reação à incapacidade crônica do Estado em garantir direitos básicos, como acesso à água, saúde e segurança alimentar (ABRAMOVAY, 2012). Essas iniciativas não se limitam a "preencher lacunas", mas desafiam estruturas de poder, conforme destacado por Fraser (2008), ao reivindicar redistribuição, reconhecimento e representação política para grupos marginalizados.

2. Protagonismo Comunitário e Saberes Locais

Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e movimentos comunitários lideram processos de inovação, mobilizando conhecimento tácito e redes de confiança locais (DAGNINO, 2002). A "Tecnologia Social", conceito consolidado pela Fundação Banco do Brasil, exemplifica essa dinâmica: combina saberes tradicionais — como técnicas de captação de água no semiárido — com conhecimentos técnicos, gerando soluções adaptadas a contextos específicos (BRANDÃO, 2005; ITS BRASIL, [s.d.]). Essa abordagem ecoa Santos (2010), para quem as "Epistemologias do Sul" valorizam saberes subalternizados como ferramentas de emancipação.

3. Cocriação e Hibridismo: Tensões e Potencialidades

A inovação social brasileira opera em ecossistemas híbridos, onde atores diversos (Estado, setor privado, academia) colaboram, embora com assimetrias. Negócios de impacto socioambiental, alinhados a lógicas de mercado (BATTILANA; LEE, 2014), coexistem com iniciativas comunitárias sem fins lucrativos. Essa dualidade reflete a busca por sustentabilidade financeira sem abandonar objetivos transformadores (NICHOLLS; MURDOCK, 2012). Mulgan (2007; 2019) ressalta que a cocriação amplia o impacto social, mas adverte para riscos de cooptação quando há divergência de interesses entre parceiros.

4. Empoderamento e Justiça Social: Para Além do Paliativo

O empoderamento é um eixo central, visando redistribuir agência política e recursos. Cooperativas populares, por exemplo, não apenas geram renda, mas ressignificam relações de trabalho, desafiando hierarquias capitalistas (FRASER, 2008). Contudo, a fragilidade do apoio estatal — marcada por descontinuidades políticas e subfinanciamento (BRESSER-PEREIRA, 2018) — sobrecarrega as OSCs, limitando a escalabilidade de soluções.

5. Desafios e Paradoxos no Ecossistema Brasileiro

Apesar de seu potencial transformador, a inovação social enfrenta dilemas:

Dependência de Recursos Externos: Muitas iniciativas dependem de financiamento internacional ou corporate, arriscando a adequação a agendas alheias aos contextos locais.

Tensão entre Inclusão e Mercado: Negócios de impacto, embora ampliem o acesso a serviços, podem reproduzir lógicas neoliberais ao priorizar métricas de retorno sobre transformação estrutural.

Fragilidade Institucional: A ausência de políticas públicas consistentes para inovação social perpetua a precariedade, como observado na desarticulação de redes de economia solidária pós-2016.

Considerações Finais: Inovação Social como Projeto Político

A inovação social no Brasil transcende a mera adaptação técnica: é um projeto político que reconfigura relações de poder e produz contra-narrativas ao desenvolvimento hegemônico. Seu futuro dependerá da capacidade de fortalecer alianças multissetoriais sem diluir objetivos transformadores, e de pressionar por políticas públicas que reconheçam a sociedade civil como parceira estratégica, não como substituta do Estado. Como sugere Santos (2010), a justiça social só será possível através de "ecologias de saberes" que valorizem a pluralidade de vozes e práticas.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, R. Muito além da economia verde. São Paulo: Editora Abril, 2012.

BATTILANA, J.; LEE, M. Toward a relational theory of social enterprise. Academy of Management Review, v. 39, n. 3, p. 497-517, 2014.

BRANDÃO, C. R. Tecnologia Social: ferramenta para construir outra sociedade. Campinas: Editora Unicamp, 2005.

BRESSER-PEREIRA, L. C. A construção política do Brasil. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.

CEPAL. Panorama Social da América Latina. Santiago: CEPAL, 2022. Disponível em: https://www.cepal.org.

DAGNINO, E. (Org.). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

FRASER, N. Scales of Justice: Reimagining Political Space in a Globalizing World. Nova York: Columbia University Press, 2008.

ITS BRASIL. Áreas de Atuação > Tecnologia Social. [S.d.]. Disponível em: https://itsbrasil.org.br/areas-de-atuacao-tecnologia-social/. Acesso em: 30 abr. 2025.

MULGAN, G. Social innovation: what it is, why it matters and how it can be accelerated. Londres: The Young Foundation, 2007.

MULGAN, G. Social Innovation: How Societies Find the Power to Change. Bristol: Policy Press, 2019.

NICHOLLS, A.; MURDOCK, A. (Eds.). Social Innovation: Blurring Boundaries to Reconfigure Markets. Londres: Palgrave Macmillan, 2012.

SANTOS, B. S. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.